Preferência por andar a pé subiu de 9% para 23% na pandemia

13/10/2020


O relógio marca 4h30 quando a diarista Nalva Ribeiro, 56, inicia sua jornada desde o bairro Lajinha, em Ibirité, na Grande Belo Horizonte, até a zona oeste da capital mineira, onde trabalha. O caminho começa ainda no escuro, quando percorre a pé um trecho de cerca de 1,5 km para chegar até o ponto do primeiro ônibus. “Aí demoro uma hora até chegar ao centro e depois ando mais 20 minutos para pegar o segundo ônibus”, diz.

As condições do caminho não são das melhores. “A gente divide a rua com os carros em uma parte e, onde tem calçada, é esburacada”, afirma Nalva. “Também é perigoso. Já fui assaltada aqui.”

Uma pesquisa da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) mostrou que 39% das 67 bilhões de viagens realizadas no país em 2018 ocorreram por meio de caminhadas sob condições de estrutura muitas vezes precárias como o percurso de Nalva. Um levantamento da ONG Corrida Amiga aponta que 80% das calçadas do país apresentam irregularidades como buracos, obstruções e estreitamentos.

É nessa condição que as calçadas receberam e devem receber ainda mais pedestres a partir deste ano. Só na cidade de São Paulo, 32% afirmam ter passado a andar mais a pé para se proteger do novo coronavírus, e a estimativa é de que 41% da população adote a caminhada como meio de locomoção no pós-pandemia, de acordo com a ONG Rede Nossa São Paulo.

A preferência por essa forma de deslocamento subiu de 9% para 23% em todo o país, segundo a organização Rede Brasileira de Urbanismo Colaborativo (Rede BR), devido às medidas de isolamento social e à redução da frota de transporte coletivo.

As irregularidades representam um risco aos pedestres. Uma a cada cinco vítimas de queda atendidas pelo Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, por exemplo, sofreu o acidente em alguma calçada.

Entre as pessoas acima de 50 anos, 43% declaram ter medo de cair na rua devido a calçadas precárias, de acordo com pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz de Minas Gerais.

Na Tijuca, zona norte do Rio, a professora aposentada Teresa Peres é uma dessas vítimas. “A idade começa a chegar e a gente fica mais medrosa”, diz. Aos 62 anos, ela coleciona um histórico de quedas nos arredores do bairro. Em um dos episódios, quebrou um dente e teve que ir ao hospital. “Quando pisei na calçada, tinha um buraco. Enfiei o pé e bati com a cara e os joelhos no chão.”

O caso mais recente aconteceu em frente a um supermercado. Dessa vez, foram os desníveis da calçada que fizeram a aposentada tropeçar. “Uma pedra era mais alta que a outra. Tropecei e fui de joelho no chão de novo.”

Para ser considerada ideal, a calçada deve ser acessível a todos (com rampas e piso tátil para alerta ou direção), oferecer superfície regular, contínua e antiderrapante e ter largura adequada para uma travessia confortável.

Arborização, espaços de convivência e iluminação ajudam a melhorar a caminhabilidade de um lugar, ou seja, o nível de conforto nos trajetos dos pedestres pela cidade, segundo o ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento). Nas capitais fluminense e mineira, assim como na maior parte das cidades brasileiras, o proprietário do imóvel é responsável por fazer cumprir a maioria dessas determinações, sujeitas à fiscalização da prefeitura.

Com a Covid-19, mesmo a “calçada ideal” mostrou ser falha na garantia do distanciamento social. A largura mínima da área destinada à circulação de pedestres (faixa livre ou passeio) em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, de 1,5 m, dificulta o cumprimento da recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde), que sugere distanciamento de ao menos um metro de distância entre as pessoas para reduzir risco de contágio.

Uma solução é pensar em alternativas temporárias para áreas com grande fluxo de pessoas. Essa é uma das propostas do LabIT (Laboratório de Intervenções Temporárias e Urbanismo Tático) do programa de pós-graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte: Folha de S.Paulo